Terror cristão?
- aaronleviauth
- 24 de mar.
- 3 min de leitura
Atualizado: 30 de mar.
Estou participando de um grupo de escritores onde fomos desafiados a escrever um conto de até 500 palavras (com tolerância de 10 para mais ou para menos) contendo os termos: Fantasmas, Pneumonia, Cavalo, Aplaudir, Celeiro e Penas. O texto deveria ser no estilo terror cristão. Torci o nariz no começo e foi só no último dia que encarei o desafio, mesmo não concordando que textos assim deveriam existir.
"São histórias com um teor mais pesado, mas que revelam o amor de Deus", foi mais ou menos o que o coordenador do grupo disse.
Comecei uma história boba de uma pessoa correndo de alguma coisa, mas o texto estava tão ruim, que apaguei tudo e comecei de novo, só parei quando terminei de escrever isso daqui:
Entre a dor e a esperança
A turba pateava como um cavalo arredio nas arquibancadas. Urros ensandecidos tomavam o coliseu, denunciando o ódio de um povo sedento por mais sangue cristão, como se todo o oceano vermelho, pulsante e quente de uma inocência defraudada já não tivesse sido por demais vertido até aquele momento.
Disputados raios de sol acariciavam aqueles rostos sofridos, lembrando-os que além de todo o sofrimento que os aguardava, havia um Deus que os esperava de braços abertos. Se o império romano não os aceitavam e os empurravam em direção a tal carnificina, era em vão que supunham entregá-los ao império da morte, pois aquele que o vencera, ressuscitara havia poucas décadas, garantindo-lhes o caminho para o império da vida eterna.
Reunidos qual animais num celeiro, aqueles irmãos da igreja primitiva oravam a Deus enquanto os portões de ferro ainda estavam fechados. Haviam sido presos há alguns dias enquanto oravam pelo apóstolo Pedro, que enfrentaria sozinho o perigo ao deixá-los para se encontrar com outra congregação escondida nas sombras mais afastadas dos porões de Roma.
Nem a forte pneumonia de uma criança foi capaz de aplacar o ódio dos soldados. “Pobre menino”, lamentavam, “não durará um instante sequer diante dos leões”. De fato, o menino separado à força de seus pais gritava de desespero enquanto a populaça não parava de aplaudir aquele espetáculo tétrico de seu imperador: um homem entregue por Deus às próprias suas loucuras, e tomado pelos reais fantasmas que só uma vida longe demais de Deus e cheia de si poderia assombrar.
Os soldados aproximam-se dos cristãos. O solo ensanguentado terminava de ser coberto com uma nova camada de areia e logo o processo seria repetido.
Os portões se abrem. Quisera eu ter forças para descrever o terror nos olhos daquele pequeno irmãozinho, mas seria impossível. Preferiria esquecer, mas… como ignorar o testemunho de fé daquelas pessoas? Gente que, apesar de todo medo, não negava a fé em seu Deus e em seu Cristo, a quem tanto Roma queria dar por esquecido.
Entretanto, aquele testemunho era a mais firme denúncia de que o evangelho não pode ser apagado: “se a cruz se eternizou como o símbolo da submissão do Mestre à vontade soberana de Seu Pai, que os leões sejam os nossos”, assim se encorajavam.
Os mártires são empurrados para a arena. Alguns choravam, outros suportavam bravamente seus destinos, e aquele menino… chorava desconsolado.
Contudo, um pombo branco passa voando sobre aquele lugar, uma de suas penas se solta e desce lentamente em direção ao nosso pequeno heroizinho da fé, que é arrebatado pela visão.
Leões são soltos. Rugidos se ouvem. Corpos são estraçalhados. Mas… a nada disso… o menino vê! Só tem olhos para aquela pena que rodopiava no ar em direção a ele. Parecia assim que o mundo parara e todo horror sumira, só um leve canto se ouvia naqueles ouvidos agraciados e, enquanto vemos um leão se preparar para pular em cima dele, vemos a pena chegar naquela pequena mãozinha e o menino dizer: “Que lindo. Acho que é assim a pena da asa de um anjo.”
E uma lágrima quase me escapou no final.
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